O problema do banco de dados descartável

Artigo escrito para a antologia do in.Rio 2017, evento que reuniu infografistas, designers e jornalistas na ESPM, no Rio de Janeiro. O PDF do livro pode ser baixado aqui.

Grandes coberturas, como eleições, Lava-Jato e Olimpíadas, aquecem motores das redações e têm motivado infografias e visualizações de dados complexas, úteis e interessantes. Debaixo do capô desses trabalhos vivem dados garimpados com grande esforço. Por que, então, essa matéria-prima valiosa é tão rapidamente esquecida, ou ignorada, em trabalhos subsequentes?

A questão que proponho aqui ultrapassa a reciclagem, bastante comum na rotina conturbada de uma redação. Minha impressão particular é de que ainda não aprendemos a tratar a apuração jornalística como um bem valioso o suficiente para que seu uso não seja pontual, em um trabalho específico cravado no tempo, mas como um ativo que deve ser mantido, atualizado, melhorado e recombinado com a ajuda de planejamento e tecnologia, em projetos pautados pela sua utilidade recorrente tanto para consulta do leitor quanto para municiamento dos repórteres.

Ainda não aprendemos a tratar a apuração jornalística como um bem valioso, um ativo que deve ser mantido, atualizado, melhorado e recombinado

Vou tentar dar alguns exemplos rápidos para evitar que a discussão não acabe abstrata demais.

Vamos supor que depois de uma chuva forte, que provoque alagamentos e danos estruturais, um prefeito anuncie com estardalhaço a construção de piscinões. Uma forma de combater a cobertura declaratória poderia ser, por exemplo, a manutenção de um banco de dados com o histórico acessível e gráfico dos orçamentos municipais detalhados, para que se possa conferir o investimento na prevenção de enchentes e se as medidas anunciadas são significativos ou apenas "cumprem tabela". E que esse banco possa ser usado em qualquer pauta sobre investimento municipal.

Outra possibilidade é a votação de parlamentares. A análise dos votos tende a ser episódico, com cruzamentos e comparações ocasionais, mas sem a difusão da ideia de que esses dados, por mais que sejam públicos, são disponibilizados de forma pouco acessível para o leitor comum e que poderiam ser organizados em bases permanentes e atualizadas. E pautas podem surgir, ou serem enriquecidas com agilidade, a partir dessas consultas.

São ideias que dependem de tecnologia e alocação de recursos. Mas são oportunidades cada vez mais possíveis. Passam por uma visão mais ampla do uso dos dados e da utilidade que ferramentas interativas podem ter para o leitor.

Em cenário de crise do alcance do jornalismo, eis um caminho. A imprensa não só como transmissora unidirecional de informação, mas como arquiteta de pontes e conexões mais rápidas, úteis e elucidativas entre os diversos públicos com quem se comunica, de forma contínua.